O SEGREDO DE JUSTIÇA NO INQUÉRITO POLICIAL: ANOTAÇÕES CRÍTICAS À SUMULA VINCULANTE 14 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
1. Considerações iniciais
Não é nova a questão do sigilo nos procedimentos criminais. O velho Código de Processo Penal Brasileiro, no seu art. 20, proclama que “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.
Por outro lado, em matéria fiscal, de Direito de Família e nos crimes financeiros, sempre houve, em maior ou menor alcance, a possibilidade de que a autoridade – policial ou judicial, inclusive o Ministério Público nos inquéritos civis públicos –, mantivesse o procedimento em “relativo” sigilo.
Não raro, no regime das Constituições anteriores, encontravam-se procedimentos cobertos pelo manto do sigilo, algumas vezes no interesse da investigação, outras, entretanto, para proteger a imagem do investigado, e, ainda, para proteger interesses comerciais de pessoas jurídicas, algumas vezes, relacionados com o mercado financeiro, sempre tão sensível a notícias policiais.
Com o advento da Constituição de 1988 e da legislação que a seguiu, o problema do segredo de justiça nos procedimentos criminais tomou grande dimensão, não só nos meios forenses e acadêmicos, mas também na mídia, âmbito em que, não raro, identificam-se manifestações de absoluto desconhecimento do tema. As ações da Polícia Federal, para abordarmos um ponto emblemático, agora sob o manto de ordem judicial, são sempre acompanhadas de operações cinematográficas, rendendo manchetes jornalísticas sensacionalistas, e muitas vezes os repórteres têm acesso a informações e documentos que inexplicavelmente são negados aos advogados de defesa, mesmo que munidos de procuração. Essa é uma questão que precisa ser enfrentada.
Na prática, as investigações são mantidas em segredo, até porque, na maioria dos casos, consistem elas em escutas telefônicas seguidas de buscas e apreensões, que reclamam, até o desencadeamento “espetacular” das ações policiais, o necessário sigilo. Quanto a essa primeira parte, não se identificam irregularidades.
A questão toma coloração de ilegalidade quando a Polícia, após efetuar, sempre com indisfarçável satisfação, truculência e publicidade, as prisões — algumas temporárias — e buscas e apreensões, passa a dificultar o acesso dos investigados, por seus advogados, aos procedimentos já instaurados e, consequentemente, à prova já colhida. E mais grave ainda se torna a situação quando a Autoridade Judiciária resolve estender, na fase do inquérito, o segredo de justiça aos advogados, sob o argumento de que a ação da defesa atrapalha as investigações ou, ainda, de que o segredo de justiça se impõe à defesa diante do interesse público.
Importa saber, de início, se interessa ao Estado “acusar” alguém, mantendo-o preso em alguns casos, sem que lhe seja dado o direito de conhecer os fatos apontados como ilícitos durante a investigação. Esclareça-se que a defesa tem relevante atuação na fase do inquérito, oportunidade na qual muitas vezes resolve dúvidas e equívocos fundamentais para o trabalho da Polícia, evitando, em alguns procedimentos, que inocentes sejam submetidos a constrangimentos e, em outros, que o trabalho seja inútil. Em alguns casos a ausência de uma defesa atuante na fase do inquérito leva a Polícia e a Justiça a graves injustiças, somente abordadas na fase judicial, quando a lesão para o suspeito já é irreparável.
Por outro lado, negando-se à defesa acesso às informações já constantes dos procedimentos, a possibilidade de erro judicial será sempre maior, à vista da ausência de contraditório, ainda que informal, como se dá na instância policial e, de resto, em todos os procedimentos inquisitoriais. De igual modo, sem a atuação da defesa, o trabalho da Polícia e da própria Justiça será sempre duvidoso, uma vez que as conclusões restarão sempre desprovidas de objeções, sempre necessárias quando se busca uma verdade judicial.
Em outra vertente, não parece confortável à consciência democrática da nação que alguém seja preso por ordem judicial, ou mesmo apenas investigado, sem que se lhe permita conhecer, os fatos que são objeto da investigação. Procedimentos assim, à exceção das obras de ficção, das quais “O Processo” de Kafka é a melhor representante, não devem ser acolhidos no mundo democrático.
Nesse contexto, a menos que se desprezem princípios e regras inerentes à dignidade humana e ao Estado Democrático de Direito, o segredo de justiça precisa, com urgência, de uma disciplina legal ou jurisprudencial mais específica, de modo a pacificar a questão no campo prático, sendo importante registrar que a súmula vinculante nº 14, do Supremo Tribunal Federal (STF), não correspondeu às expectativas, como será oportunamente abordado.
Importa dizer que o cidadão tem o direito de saber se, em sendo investigado ou processado, mesmo que por crime contra o sistema financeiro, em que o sigilo é previsto legalmente, terá ele a prerrogativa de conhecer as imputações, ainda na fase policial, e, portanto, prestar esclarecimentos — contraditório informal —, ou se é possível, no ordenamento brasileiro, estabelecerem-se situações nas quais o investigado, preso ou não, fique privado de tais informações. Vale dizer: a investigação, depois de dada ao conhecimento público ou do próprio investigado, pode ser mantida sob sigilo para o investigado e seu advogado? Tem o investigado o direito de acompanhar, apresentar quesitos e questionar as perícias que serão feitas, uma única vez, por Peritos da Polícia na fase inquisitorial?
Outra questão que deve ser analisada diz respeito aos interessados no segredo de justiça. Com efeito, além do interesse da própria investigação, em alguns casos, notadamente em matéria fiscal e financeira, é indisfarçável que o sigilo dos dados sob investigação também tem por objetivo proteger a credibilidade do sistema financeiro como elemento indispensável para o crescimento da economia, assim como as informações a ele ligadas, que são sigilosas por disposição constitucional. Nesses casos, visa o sigilo também à proteção da pessoa jurídica investigada e de seus representantes, considerando-se, no primeiro caso, a sensibilidade do mercado financeiro à divulgação de quaisquer notícias policiais, e, na segunda hipótese, objetivando a proteção de dados fiscais e outros que são sigilosos por disposição constitucional, além de vitais para as atividades empresariais.
As respostas a essas questões nos levarão, dentre outras conclusões, a estabelecer a diferença entre investigação sob segredo de justiça e investigação clandestina.
2. Hipóteses Legais do Segredo de Justiça
Determinados procedimentos, quer para o fim de preservar interesses sociais, ou ainda por interesse da investigação ou do próprio investigado, ficam sujeitos ao segredo de justiça, o qual importa em manter sob sigilo documentos, dados, informações e depoimentos pertinentes à investigação. Nessas hipóteses, as informações contidas nos autos dos procedimentos sofrem limitações no que diz respeito ao acesso às mesmas.
Dispõe o art. 20 do Código de Processo Penal que “a autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”. De igual modo, o art. 3º da Lei 9034/95, que dispõe sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, prevê a possibilidade de que o processo seja mantido em “segredo de justiça”.[1] Ainda no campo processual penal tem-se o art. 1º da Lei 9296/96, que dispõe: “A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do Juiz competente da ação principal, sob segredo de Justiça.”
Veja-se que a interpretação das regras ou mesmo do instituto do segredo de justiça deve obedecer aos comandos constitucionais sobre o tema. Com efeito, além de assegurar aos acusados o direito de defesa ampla, o que por si só importa no conhecimento de todos os fatos relativos ao processo, o inciso LX do art. 5º da Carta da República prevê: “A lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. E mais, o art. 93 da Constituição Federal, no seu inciso IX, prescreve que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”.
Observe-se que as normas constitucionais estão voltadas especificamente à realização dos atos processuais e não propriamente ao sigilo dos dados constantes dos autos, embora, por via indireta, esteja assegurado, pelas disposições constitucionais acima citadas, o acesso do advogado da parte a todos os atos do processo.
É importante observar, contudo, que a questão do segredo de justiça não se encontra devidamente disciplinada em lei, com a indicação precisa das hipóteses em que ele pode ou deve ser decretado, do modo de execução do sigilo das informações, pessoas alcançadas pelo segredo de justiça, das fases do procedimento em que prevalecerá o sigilo dos dados etc, havendo na nossa legislação, como se viu acima, apenas fragmentos normativos sobre o assunto, o que, por si só, já causa grandes dificuldades, dando ensejo a que autoridades, dos mais variados segmentos, estabeleçam, nos procedimentos sob suas respectivas responsabilidades, o segredo de justiça ou administrativo, com variado alcance.
É certo, entretanto, que se tornou consensual no meio jurídico que nos procedimentos criminais, administrativos disciplinares ou fiscais, sempre que envolverem dados protegidos pela Constituição, ou sempre que houver interesse da investigação, é perfeitamente possível a decretação do segredo de justiça, ainda que não esteja, na hipótese investigada, previsto em lei.
Essa falta de normatização, além de causar grande embaraço, levou o Superior Tribunal de Justiça a editar aresolução nº 507, de 31 de maio de 2006, estabelecendo diretrizes para o tratamento de processos e investigações sigilosas ou que tramitem em segredo de justiça, no âmbito da Justiça Federal de 1º e 2º graus.
A iniciativa do STJ, ao que pensamos, deve ser vista com reservas, não só pelo seu conteúdo, como se mostrará adiante, mas também em face da visível inconstitucionalidade decorrente da reserva legal prevista na Constituição Federal. Com efeito, dispõe o art. 22, I, da Carta da República, que “compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”. Tem-se, assim, que a União é a única fonte de produção do Direito Processual Penal, o que equivale a dizer que somente o Congresso Nacional pode legislar sobre processo penal.
Ora, a atividade legislativa é própria das Casas Parlamentares, pelo que não é razoável imaginar-se que, apenas por ser um Tribunal da União, esteja o Superior Tribunal de Justiça autorizado a legislar sobre matéria processual penal.
Ocorre, além disso, que a Resoluçãonº 507, de 31 de maio de 2006, contém regras eminentemente processuais, como se pode ver dos seus arts. 3º [2] e 5º [3] e seus parágrafos.
Parece óbvio que estabelecer o alcance e as hipóteses para a decretação do segredo de justiça ou sigilo de informações contidas nos procedimentos penais, ou ainda, fixar que o “caráter sigiloso poderá ser atribuído ao processo ou às partes” (art. 3º, § 1º), ou mais, disciplinar a vista e carga dos autos (art. 5º §§ 2º e 3º) quando decretado o segredo de justiça, são temas que exigem disciplina legal, visto que envolvem o direito de defesa e, portanto, o devido processo legal.
Na verdade, diante do que contém a regra do art. 93, da Constituição Federal, no seu inciso IX, segundo o qual “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes” e, ainda, considerando a disposição do inciso LX, do art. 5º, da Constituição Federal, que afirma que “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”, afigura-se impróprio tratar a questão do segredo de justiça através de normas infralegais, como é o caso da Resolução n. 507, do Conselho da Justiça Federal.
É importante realçar que a regra do art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal, é norma constitucional de eficácia contida, ou seja, tem eficácia imediata - até por força do que dispõe o parágrafo primeiro do mesmo artigo -, podendo o direito ali contemplado ser objeto de restrição apenas por força de lei em sentido formal, conforme previsão do próprio artigo da Constituição.
Em 29 de novembro de 2007, o STJ revogou a Resolução nº 507, tendo sido, em seu lugar, editada a Resolução nº 589. Assim como a anterior, a nova Resolução padece do mesmo vício de inconstitucionalidade e, apesar dos aplausos da Diretoria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, trata-se de norma draconiana, com visível tendência autoritária. Basta que se veja o art. 3º e seu parágrafo primeiro:
Art. 3º. O caráter sigiloso ou o atributo de segredo de justiça de dados ou informações constante de volumes ou apensos de processo ou investigação será estendido a todo o processo ou investigação, salvo determinação judicial em contrário.
§ 1º O acesso aos autos em papel ou digitais ficará restrito às partes e seus procuradores, servidores e autoridades, a critério da autoridade judicial.
Parece óbvio que o exercício da ampla defesa, que tem como pressuposto o devido processo legal, não pode ficar ao sabor de “critério da autoridade judicial”, como inadvertidamente dispõe a nova Resolução. A defesa no processo penal deve ser a mais ampla possível, respeitados, apenas, os limites legais. A nova resolução, aliás, pouco diverge da primeira, sendo certo que no essencial são iguais, e as diferenças se mostram irrelevantes.
3. Limites Constitucionais do Sigilo
Antes de tudo, assevere-se que a solução do conflito entre o segredo de justiça decretado para atender a interesse social e o direito à ampla defesa conferido ao investigado deverá contemplar os dois fundamentos, restringindo um deles minimamente e apenas na medida do necessário para assegurar a efetividade do outro, segundo os critérios de interpretação oferecidos pela nova hermenêutica constitucional.
Nesse contexto, se é válida a decretação da quebra do sigilo das comunicações telefônicas de um determinado investigado, limitando o seu direito de defesa, que não será exercido enquanto está sendo investigado pelas escutas judicialmente autorizadas no curso do inquérito ou do processo, uma vez dadas ao seu conhecimento, quer pela efetivação de medidas judiciais resultantes das escutas, quer por via de notificação para prestar esclarecimentos, ou por qualquer outra forma, tem ele o direito de conhecer todas as gravações efetivadas. O interesse da investigação já não justifica a ocultação dos dados, prevalecendo, a partir de então, o direito de defesa.
Nesse sentido, refira-se a decisão, em provimento liminar, do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho nos autos do Habeas Corpus nº 97 622-MA – STJ, da qual se destaca o seguinte trecho:
7. Os sigilos, que são necessários a certos cometimentos públicos, não devem ser confundidos com clandestinidade das atividades desenvolvidas pelas autoridades, ou seja, só devem alcançar aquilo que está em fase de conformação, mas não aquilo que já está conformado e do que as partes devem ter conhecimento desimpedido; abusos, deslizes, infidelidades ou quaisquer ilícitos que alguém cometa, por ter tido conhecimento dessas peças, inclusive o Advogado, como, por exemplo, divulgar os seus conteúdos ou prejudicar terceiros, serão objeto de repressão regular, como é cediço.
Negar conhecimento dos dados já instrumentalizados ou autuados nos procedimentos importaria em anular a regra que assegura o direito de ampla defesa em benefício da regra, também constitucional, que prevê a possibilidade de restrição da defesa em face do interesse social. Como ensina Canotilho, o princípio da concordância ou harmonização prática “impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros”. [4]
Nessa perspectiva, sempre que o juiz decretar a quebra de um dos direitos fundamentais, como o sigilo de dados fiscais, telefônicos, bancários etc, após a autuação dos dados no procedimento, à defesa deverá ser assegurado o direito de conhecê-los, inclusive assegurando-se ao investigado o direito de contestar informações, prestar esclarecimentos, requerer contra-provas etc, sob pena de grave ofensa ao direito de ampla defesa. Na verdade, uma vez instrumentalizada a prova nos autos do procedimento, qualquer que seja a prova ou indício, já não é tolerável que se negue ao investigado, por seu advogado devidamente habilitado nos autos, acesso às informações, constituindo manifestação de arbítrio e prepotência a recusa.
Assim, o sigilo, com relação ao investigado, é admissível apenas na medida do necessário à colheita dos elementos de prova. A partir da autuação dos dados, quando não mais se faz indispensável o sigilo, restringir o direito de defesa é medida incompatível com a vigente ordem constitucional.
De igual modo, com relação a terceiros, alheios ao processo, o sigilo deve permanecer, não mais no interesse da investigação, mas sim para preservar a inviolabilidade da intimidade e dos dados fiscais, bancários, conforme disposições dos incisos X e XII, do art. 5º da Constituição Federal.
Nesse mesmo sentido se posiciona Flávia Rahal:
O acusado, bem como outros personagens do processo não são vistos como sujeitos de direitos passíveis de serem violados pela publicidade irrestrita. Confunde-se a publicidade para as partes – que é essencial e nunca pode ser restringida – com a publicidade geral, para todos, que muitas vezes pode ser prejudicial à realização da justiça. [5]
E o sigilo, acrescente-se, é imperativo não apenas no interesse da realização da justiça, mas na preservação do direito à intimidade. Se é esse o fundamento e a finalidade do sigilo processual, evidente que ele não pode se estender ao investigado/acusado e a seus advogados.
Por outro lado, a garantia da ampla defesa impede a negativa de acesso aos autos do inquérito policial. Veja-se, a propósito, a lição de Flávia Rahal:
Argumenta-se com a inexistência de contraditório na fase pré-processual e com a supremacia dos interesses do Estado sobre o interesse individual. Violenta-se a uma só vez a garantia da ampla defesa – porque há direito à defesa na fase inquisitiva do inquérito policial – e o livre exercício profissional do advogado, que é indispensável à administração da justiça por desejo constitucional. É absurdo em um Estado Democrático de Direito que se pretenda restringir direitos fundamentais com argumentos falaciosos. O inquérito policial é, nos termos do art. 20 do CPP, sigiloso, em princípio e desde que não toque o suspeito, indiciado e seu advogado, nem tampouco o ofendido, seu representante legal ou advogado.[6]
Resulta, pois, da nossa ordem constitucional, que a restrição do direito de ampla defesa somente é aceitável quando indispensável para atender a interesse social, consistente, na hipótese, na produção de prova para cuja efetivação seja indispensável o sigilo da investigação, inclusive com relação ao investigado.
4. Posição atual do Supremo Tribunal Federal: a Súmula Vinculante 14.
O tema já foi muitas vezes submetido à apreciação do Supremo Tribunal Federal, a quem compete precipuamente, no nosso sistema constitucional, assegurar a efetivação dos direitos fundamentais.
A Corte, em inúmeros julgados [7], tem firmado o entendimento no sentido de que o conflito de interesses, resultante do choque entre o direito de defesa e o interesse social, deve ser resolvido mediante a coordenação e a combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros”, conforme lição de Canotilho[8].
Questão relevante que se coloca no tema discutido é a de se o juiz, ao deferir o acesso do advogado aos autos do inquérito, pode limitar as informações, ou seja: pode o juiz deferir decidindo, por exemplo, que permite o acesso do advogado aos autos do inquérito, mas apenas com relação aos elementos diretamente relacionados ao seu cliente? Parece óbvio que não.
Com efeito, se assim fosse possível, estaria o juiz limitando a atuação da defesa, ou estabelecendo as orientações que deveriam ser adotadas pela defesa, o que é incompatível com o direito à ampla defesa.
O acesso aos autos do inquérito ou do processo, com o conhecimento do que ali estiver contido, considerando-se a regra constitucional que assegura o direito de ampla defesa, deve ser o mais amplo possível.
A matéria, até o advento da Súmula Vinculante nº 14, no âmbito do STF, apontava no sentido de que seria consolidado o entendimento, segundo o qual, à defesa do investigado, fosse assegurado acesso a todas as peças do inquérito, desde que já formalmente incorporadas ao procedimento persecutório.
Também o Superior Tribunal de Justiça tem assegurado, no âmbito das suas atribuições jurisdicionais, o direito constitucional à ampla defesa, consistente em permitir ao investigado, pelo seu advogado, o direito de ter acesso aos autos de investigação, ainda que sob o regime do segredo de justiça. [9]
O advento da Súmula Vinculante nº 14 no âmbito do STF, ao contrário do era de se esperar, criou mais problemas do que soluções. Com efeito, redigida de maneira oblíqua, a súmula em questão tem sido objeto de diversas interpretações.
Nos termos da súmula em referência, “é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”
A primeira questão gerada é a de saber a quem cabe aferir quais as peças concernentes ao direito de defesa.
Parece claro que tal mister não pode ser atribuído à autoridade policial nem à autoridade judiciária, sob pena de evidente ofensa ao direito de defesa. Na verdade, cabe ao próprio investigado, titular do direito, e aos seus advogados selecionarem as peças que interessarem ao exercício de sua defesa. Não se pode conceber que a autoridade – a policial ou a judiciária – identifique as questões de defesa e, assim, selecione as peças que possam interessar ao investigado.
Se, de outro vértice, as peças já estão incorporadas ao procedimento policial, dizendo respeito a fatos já investigados, não há sentido em que se oponha o interesse público ao exercício da ampla defesa. As diligências em curso, não devendo constar dos autos do inquérito policial, podem seguir normalmente, sem qualquer prejuízo decorrente do acesso dos investigados às peças relacionadas a diligências concluídas.
Aqui, cabe atentar para a distinção entre investigação e inquérito. A investigação é a atividade policial dirigida à coleta de elementos de prova da materialidade e da autoria de infrações penais, ao passo que o inquérito é o procedimento policial que incorpora peças relativas aos resultados da investigação. Bem entendida a diferença, deve-se assentar que a investigação é sigilosa, sob pena de frustração de seus próprios resultados, mas o inquérito só pode ser sigiloso para preservar a intimidade dos investigados, não podendo tal sigilo, por óbvio, estender-se a qualquer destes.
Ora, se o inquérito (procedimento) só deve levar – como está expresso em diversos julgados do Supremo Tribunal Federal – as peças relacionadas a diligências concluídas, descabe invocar o interesse público da investigação para opor o sigilo ao próprio investigado. Não se pode frustrar o resultado de diligência já concluída e, quanto às diligências pendentes, não devem ainda constar dos autos do inquérito policial, de modo que nenhum prejuízo à investigação pode ser imaginável em decorrência do acesso dos investigados às peças do procedimento policial.
Assim, a única limitação que pode existir ao acesso é a intimidade de terceiros, e isso se tal intimidade não prejudicar o exercício do direito de defesa.
Afirme-se, aqui, que o sentido da Súmula Vinculante n. 14 - STF, na referência a peças “que digam respeito ao exercício do direito de defesa”, não pode ser confundido, como têm feito alguns, com peças que “digam respeito à pessoa do investigado”.
Esse raciocínio dissocia-se daquilo que estabelece a Súmula Vinculante n. 14 da Corte Excelsa brasileira, na qual está expressa a garantia de acesso, por meio de cópias, às peças que disserem respeito ao exercício do direito de defesa, e não às peças relacionadas à “pessoa do investigado”.
Assevere-se, portanto, que peças relacionadas ao exercício do direito de defesa é algo diverso (por ser mais abrangente) de peças que digam respeito à pessoa do investigado.
Com efeito, é possível que o documento, sem formalmente dizer respeito à pessoa do investigado, seja relevante para a sua defesa.
Assim, ainda que certos documentos sejam titularizados por um SUJEITO X e envolvam mesmo a intimidade deste, podem ser relevantes, à vista do objeto e dos objetivos da investigação, para a defesa do SUJEITO Y.
Pode-se exemplificar com o caso do inquérito policial em que se investiga a utilização, por sócios de uma empresa, de interposta pessoa (“laranja”) para a prática de crimes de sonegação fiscal. Nesse caso, documentos oriundos da quebra do sigilo de conta bancária titularizada pelo “laranja”, embora formalmente digam respeito apenas à intimidade deste, por óbvio interessam à defesa dos sócios da empresa investigada. Veja-se que, no exemplo citado, os sócios da empresa são investigados por supostamente praticarem sonegação fiscal com a utilização da conta de terceira pessoa, não podendo a intimidade desta servir de motivo para negar aos demais investigados o acesso aos autos.
Em casos que tais, o fato investigado é único, não cabendo à autoridade policial cindir os objetos para negar aos investigados o acesso aos autos, em claro prejuízo à ampla defesa. Eis aí o grande perigo de se reservar à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao juiz a tarefa de “escolher” as peças que interessarem à defesa do investigado. Dá-se margem à criação de pretextos para negar o acesso, sob o amparo da suposta intimidade de terceiros.
Assim, não há fato isolado que interesse apenas a um ou outro investigado: o fato sob investigação é único e, assim, os “elementos de fato” são uniformes e comuns a todos os investigados, ainda que obtidos mediante a quebra do sigilo bancário de apenas um deles. [10]
Destarte, é preciso interpretar corretamente o enunciado da súmula vinculante aqui debatida, para nele se compreender o direito de acesso a todas as peças relacionadas à defesa, ainda que formalmente não concernentes à pessoa do investigado ou indiciado.
Na hipótese, a seleção das peças deve ser atribuída ao próprio investigado e a seus advogados. A intimidade de terceiros não pode servir de pretexto para a negativa do acesso, se o conteúdo das peças e a sua extensão alcançam o investigado que reclama as cópias.
Anote-se também que, no conflito de interesses, o direito de defesa deve sobrepujar o direito à intimidade. No caso, não se está expondo a intimidade de pessoas investigadas para toda a sociedade, mas apenas para outro investigado e para o seu advogado, tudo devidamente justificado pela ampla defesa. Além disso, o investigado e seu advogado assumem de igual modo a responsabilidade pelo sigilo, juntamente com a Autoridade Policial, o Ministério Público e o Juiz, não cabendo falar em violação do direito à intimidade.
De qualquer forma, tais problemas interpretativos poderiam ter sido evitados se a súmula não contivesse a imprópria expressão sobre peças “que digam respeito ao exercício do direito de defesa”, o que tem dado margem a, sob os mais diversos pretextos, se negar ao indiciado o acesso aos autos do inquérito policial.
Mais pertinente seria, na espécie, a manutenção da jurisprudência do STF precedente à edição da Súmula Vinculante n. 14, bem refletido nos julgados já antes referidos e comentados.
No estado atual, entretanto, deve-se estabelecer interpretação que confira máxima efetividade ao direito de defesa, de modo que o acesso ao autos do inquérito policial pelo investigado/indiciado e seu advogado há de ser o mais pleno possível.
Uma vez mais cabe repudiar o anacrônico entendimento no sentido de que o inquérito policial não comporta o exercício do contraditório e da ampla defesa, por se tratar de procedimento inquisitorial. Semelhante orientação já foi claramente rechaçada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como visto. A mais, embora não haja na fase do inquérito o exercício total do contraditório e da ampla defesa, é certo que, para muitos efeitos, notadamente o conhecimento do que já foi apurado e consolidado no procedimento, assegura-se ao investigado/indiciado o direito de defesa.
5. Considerações finais.
Importa, nesta fase conclusiva, fazer alguns comentários específicos, sobre determinados pontos.
Relevante observar, inicialmente, que a quebra de dados fiscais e bancários, bem como a determinação de escutas telefônicas, que reclamam a decretação do segredo de justiça nos procedimentos respectivos, representam medidas que não podem ser banalizadas. Somente em casos específicos e, demonstrada a necessidade da medida em face de superior interesse público, decorrente de uma investigação criminal, em cujo desenvolvimento fique evidenciada, de forma fundamentada, a necessidade da medida extrema, é que se admite a restrição da inviolabilidade de tais dados que são, reafirme-se, assegurados constitucionalmente.
Assim, sempre que tiver por objeto afastar o sigilo de dados fiscais ou bancários, ou mesmo quando pretender autorizar a escuta telefônica, deve o juiz externar as suas razões de forma didática e fundamentada, demonstrando, satisfatoriamente, a necessidade da medida. Não é fundamentação, embora seja comum em despachos judiciais, a simples afirmação de que a quebra do sigilo atende a interesse público relevante, ou que a escuta telefônica em determinada hipótese é importante para a investigação de determinado crime, sem que sejam apontadas razões fáticas e específicas que justifiquem a medida. O só fato de serem tais sigilos garantidos constitucionalmente por si só reclama fundamentação clara e objetiva, com a indicação pontual dos motivos.
A quebra do sigilo bancário ou fiscal, e mesmo a escuta telefônica, não podem assumir o papel de devassa, com o objetivo de localizar indícios do ilícito penal. Aliás, a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem recomendando prudência na decretação de tais medidas. [11]
A propósito, recentes decisões estão impondo limites aos abusos que, infelizmente, nos últimos tempos, ainda estão sendo cometidos por juízes displicentes ou autoritários. Com efeito, afigura-se inaceitável que se decrete a quebra do sigilo bancário ou fiscal de alguém, ou mesmo a escuta telefônica, como forma de buscar “algum indício” de ilícito penal.
A matéria comporta as seguintes conclusões:
a) a autoridade poderá decretar segredo de justiça ou de dados no curso de procedimento administrativo ou judicial quando assim indicar interesse social relevante e, ainda, deverá decretá-lo quando no procedimento existirem dados cujo sigilo decorra de determinação constitucional, sempre em decisão fundamentada;
b) em qualquer hipótese, e ressalvadas as situações em que o sigilo seja indispensável à colheita dos dados ou informações, oportunidades em que ao investigado não pode ser dado conhecimento prévio das diligências e, uma vez autuadas as informações ou dados, o investigado tem direito de acesso amplo aos autos da investigação, ali podendo anotar informações de interesse da defesa, bem como, se for o caso, requerer as diligências que se apresentarem necessárias e relevantes para a defesa.
A respeito do acesso do investigado/indiciado aos autos de inquérito policial sob segredo, cabe concentrar a atenção na Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal, cujo enunciado consagra a garantia da ampla defesa (defesa técnica) na fase de investigação, assegurando o acesso aos elementos de prova que já estiverem documentados nos autos do procedimento investigatório, ainda que esteja em sigilo. Depreende-se daí que as diligências em curso, ainda não documentadas nos autos do inquérito, permaneçam sob sigilo inclusive para os investigados e seus advogados, como é natural.
Tal não se deve estender, entretanto, às peças do próprio inquérito policial, o qual, por incorporar diligências já concluídas, não potencializa nenhum prejuízo à investigação decorrente do acesso dos investigados. A única razão para a decretação do sigilo do inquérito, portanto, é a intimidade dos investigados, sendo o interesse público motivo para o sigilo da investigação, não do procedimento.
Nesse contexto, a intimidade de terceiros (investigados ou não) é inoponível aos indiciados para o fim de lhes negar acesso aos autos do inquérito policial, uma vez que, aqui, deve prevalecer o direito à ampla defesa. Não há, por outro lado, sacrifício da intimidade, porque o acesso é reservado ao próprio investigado e a seu advogado e justificado pela ampla defesa, sem que com isso se esteja expondo a intimidade de terceiros para a toda a sociedade. Cabe aqui estabelecer uma harmonização prática dos interesses em conflito, não podendo a intimidade servir de amparo à anulação da ampla defesa.
Apesar das distorções interpretativas que têm recaído sobre a Súmula Vinculante n. 14 do STF, a única interpretação condizente com a preservação da ampla defesa, para lhe conferir a máxima efetividade sem o sacrifício de outro direito, é aquela que fixe o maior acesso possível ao inquérito, não se podendo restringi-lo às peças que digam respeito “à pessoa do investigado”. Ainda que formalmente não vinculadas à pessoa do investigado, as peças podem interessar à sua defesa, não havendo que opor a intimidade de terceiros para justificar o sacrifício daquela garantia.
De toda sorte, para evitar interpretações inconstitucionalmente limitadoras do direito de defesa, melhor é que se reformule o enunciado da Súmula Vinculante n. 14 do STF, para o efeito de restabelecer a correta jurisprudência da Corte Excelsa anterior à edição da súmula.
Referências bibliográficas
BITTENCOURT DE ALBUQUERQUE, José Cândido. Da Tolerância à Intolerância – no contexto das liberdades individuais e coletivas. In: SANTOS, Maria Helena Carvalho. (Coord.). : Nas Fronteiras da Intolerância. Lisboa: Instituto de Estudos Portugueses – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 2005.
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[1] Art. 3º Nas hipóteses do inciso III do art. 2º desta lei, ocorrendo possibilidade de violação de sigilo preservado pela Constituição ou por lei, a diligência será realizada pessoalmente pelo juiz, adotado o mais rigoroso segredo de justiça.
[2] Art. 3º Considera-se sigilosa, quando determinada pela autoridade judicial competente, toda a informação, documento, elemento ou feito que, por sua natureza ou quando a preservação de direitos individuais e o interesse público o exigirem, deva ser de conhecimento restrito e, portanto, requeira medidas especiais para segurança de seu conteúdo. § 1º O caráter sigiloso poderá ser atribuído ao processo ou às partes. Quando atribuído ao processo, a consulta ao sistema informatizado será restrita a pessoas autorizadas, a critério da autoridade judicial. § 2º No caso de procedimento criminal existente antes da ação penal, a consulta somente será viabilizada mediante autorização judicial. Nessa hipótese, não figurará na distribuição o nome das partes, sob pena de comprometimento das medidas. § 3º A autoridade policial fará distribuir o inquérito ou pedido de medidas assecuratórias, viabilizando dessa forma a fixação do juízo competente para processamento e julgamento do feito.
[3]Art. 5º O caráter sigiloso ou o atributo de segredo de justiça de dados ou informações constantes de volumes ou apensos de processo ou investigação será estendido a todo o processo ou investigação, salvo determinação judicial em contrário. § 1º O acesso aos autos ficará restrito às partes e seus procuradores, servidores e autoridades, a critério da autoridade judicial. § 2º Não será permitida a carga de feitos sigilosos (inquérito ou processo) à parte requerida, a fim de se garantir a manutenção da decretação de sigilo. § 3º A vista dos autos nos feitos declarados sigilosos dependerá sempre de autorização expressa do juiz competente e restringir-se-á apenas aos elementos processuais essenciais à ampla defesa do interessado. § 4º Quando o atributo de sigiloso ou de segredo de justiça não se referir a todos os volumes ou apensos, a marcação deverá ser feita no 1º volume dos autos, com referência àquele no qual tenha sido decretado sigilo ou segredo, e no próprio volume, ou autuado em apartado.
[4] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2002, p. 1209.
[5] RAHAL, Flávia. Publicidade no processo penal: a mídia e o processo. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, março-abril de 2004, n. 47, p. 273.
[6] Ob. Cit., p. 279-280.
[7] Por todos, vide o HC 82.354/PR, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence.
[8] Ibidem, p. 1209.
[9] Vide, por exemplo, o ROMS 3738/CE, fundado na vertente das prerrogativas profissionais do advogado.
[10] Nesse sentido, cabe referir a recente decisão liminar proferida pelo Desembargador Federal José Maria Lucena, do Tribunal Regional Federal da 5a Região, nos autos do HC 4254/CE, da qual se extrai aqui o seguinte trecho: “Sob as luzes dos princípios da ampla defesa e da inocência do processo penal garantista, a despeito da assente distinção entre as noções de processo e inquérito, tenho que a ausência de conhecimento deste pelo defensor enseja odiosa nulidade. No caso específico, o ato de se obstar o acesso dos defensores aos dados do inquérito policial não se afigura razoável, haja vista que, ainda que a suspeita recaia sobre os pacientes de, como empresários, terem se valido de terceira pessoa, "laranja" no jargão policial, para ocultar do Fisco uma vultosa movimentação de recursos financeiros, toda operação ilícita que se impute a este também tem reflexos na esfera de responsabilidade daqueles. Mencionado aspecto faz ressaltar, no caso concreto, a peculiaridade defendida pelos impetrantes de serem as práticas investigadas um fato único, corroborando a necessidade de os dados, mesmo sigilosos do suposto "laranja" serem conhecidos dos demais investigados, para possibilitar o pleno exercício da ampla defesa, através da necessária defesa técnica e evitando-se obscuras surpresas. O prestígio aos postulados da ampla defesa teve seu ápice na edição da Súmula Vinculante nº 14, do Supremo Tribunal Federal que assim pontifica; "É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa". Tal enunciado complementa a Constituição Federal, reafirmando e corroborando a prerrogativa que deve ter o defensor, reforçando-lhe o direito de conhecimento dos autos do inquérito policial, pelo fato de tais documentos formarem conjunto probatório ao qual ele, em muitas ocasiões, não tinha acesso ou o tinha de forma restrita, como ocorre no caso em exame. E não se diga que o acesso aos dados sob sigilo do inquérito sofre limitação diante dos informes sigilosos da pessoa suspeita de ser laranja, ante a constatação de que as supostas movimentações financeiras repercutem na esfera de interesses dos pacientes. A questão do sigilo deve ser analisada casuisticamente, como deflui do trecho do voto do eminente Ministro Menezes Direito, por ocasião dos debates sobre a elaboração da referida Súmula Vinculante: "Com efeito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal tem assegurando a amplitude do direito de defesa, o exercício do contraditório e o devido processo legal (art. 5º, incs. LIV e LV, CF) mesmo que em sede de inquéritos policiais e/ou processos originários, cujos conteúdos devam ser mantidos sob sigilo. Por outro lado, a redação sugerida pelo requerente já exclui da determinação contida na súmula as diligências em andamento, o que afasta o argumento do Ministério Público Federal de que o acesso do advogado do indiciado aos autos poderia implicar em obstáculo à efetividade da atividade investigatória. No tocante às diligências já realizadas, portanto, de acordo com o posicionamento jurisprudencial firmando nesta Suprema Corte, entendo que deve ser assegurada vista dos autos ao advogado constituído pelo investigado”.
[11] Vide, por exemplo, o voto do Ministro Celso de Melo na RECL n. 511-9/PB: “A relevância do direito ao sigilo bancário – que traduz, na concreção do seu alcance, uma das projeções realizadoras do direito à intimidade – impõe, por isso mesmo, cautela e prudência ao órgão competente do Poder Judiciário (o Supremo Tribunal Federal, no caso), na determinação da ruptura da esfera de privacidade individual que o ordenamento jurídico, em norma de salvaguarda, pretendeu submeter à cláusula tutelar de reserva constitucional (CF, art. 5º, X).”
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