Nota pública da OAB, AMB e confederações contra a Emenda do calote de precatórios
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, a
Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, a Confederação dos Servidores
Públicos do Brasil - CSPB, a Confederação Nacional dos Servidores e
Funcionários Públicos das Fundações, Autarquias e Prefeituras Municipais -
CSPM, a Confederação Nacional das Carreiras e Atividades Típicas de Estado –
CONACATE - e a Confederação Brasileira de Trabalhadores de Policiais Civis -
COBRAPOL, vem, por meio dos seus representantes signatários, comunicar o ajuizamento
de Ação Direta de Inconstitucionalidade em face das Emendas Constitucionais n.
113/2021 e n. 114/2021, que resultam da PEC dos Precatórios.
Ao alterar a Constituição Federal e o Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias para institucionalizar moratória sobre os
precatórios federais – com contingenciamento de recursos e instituição de
índice incapaz de recompor a inflação para fins de correção monetária dos
débitos (taxa SELIC) -, as duas emendas violaram conjunto expressivo de
direitos e garantias fundamentais à conformação do Princípio da Separação dos
Poderes e ao próprio Estado Democrático de Direito, e prejudicaram diretamente
centenas de milhares de credores, a grande maioria formada por brasileiros com
baixo poder aquisitivo. Precatórios são dívidas públicas cuja origem é a
condenação judicial em razão do descumprimento de direitos como os
remuneratórios, previdenciários e tributários.
A EC 114/2021, ao estabelecer limitação indevida ao
pagamento de valor reconhecido como devido pelo Poder Judiciário, representa
inequívoca violação ao princípio constitucional da separação de poderes (art.
2º, CF), que assegura não apenas a independência e a harmonia entre os Poderes,
mas, principalmente, a proteção dos indivíduos contra o abuso potencial de um
poder absoluto. Com a medida, o adimplemento dos débitos e obrigações
reconhecidas na Justiça se torna uma escolha política dos governantes, que
decidem adiar sucessivamente o prazo para cumprimento com a chancela do
Legislativo, que aprova normas como a ora analisada, autorizando uma limitação
ao pagamento dos precatórios, flagrantemente inconstitucional.
Tal fato se torna ainda mais evidente com a criação da
comissão mista para “exame analítico” de precatórios (constante no art. 6º da
EC 114/2021), dado que esta, ao prever a revisão de sentenças judiciais por
meio de juízo de órgão eminentemente político, cria órgão externo para
homologar e certificar as decisões oriundas dos Juízes, avaliando o seu mérito.
O novo dispositivo viola frontalmente o princípio da
separação de poderes (art. 2º CF), na medida em que autoriza a invasão da
função constitucional típica do Poder Judiciário, eis que lhe compete a palavra
final no que tange à expedição o precatório. O dispositivo reveste as decisões
condenatórias do Poder Público de desconfiança acerca da condução dos processos
pelos cerca de 18.000 membros da magistratura nacional, criando verdadeira dúvida
seletiva acerca do resultado da entrega da prestação jurisdicional.
Igualmente configura violação ao espaço de competência
atribuído ao Poder Executivo na gestão dos passivos judiciais e nos
correspondentes pagamentos, sendo certo que a Advocacia Geral da União,
responsável pela representação judicial e extrajudicial da União detém
conhecimento e competência constitucional para promover as avaliações de risco
e para proceder às respectivas comunicações ao Poder Executivo.
Em última análise, o que se observa com a criação da
referida comissão mista, instituída pelo Congresso Nacional, em suposta
cooperação com outras Instituições é a formação, pelo Estado, de uma frente
institucional para dificultar o acesso do cidadão aos valores que lhe são
devidos.
Ademais, considerando a existência de diversos precedentes
do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade de Emendas
Constitucionais que instituíram moratórias como a presente, bem como a
impossibilidade fática e jurídica de conferir às dívidas judiciais o mesmo
tratamento que é destinado às despesas do Poder Executivo pelas regras do teto
de gastos, a medida judicial também se volta à necessidade de interpretar a
Emenda Constitucional n. 95/2016 em conformidade com a Constituição Federal de modo
a excluir os precatórios destes limites de endividamento.
Cabe frisar que não se questiona nesta ação a reformulação
do Bolsa Família na forma do Auxílio Brasil, dado que a transferência de renda
se comprovou, no tempo, medida imprescindível ao desenvolvimento nacional.
Contudo, para tais fins, não se pode admitir, tendo em vista da existência de
recursos financeiros em disponibilidade, que alterativas orçamentárias menos
onerosas e mais razoáveis sejam preteridas por um novo regime constitucional
que sacrifica o núcleo imutável da Constituição Federal, descumpre decisões do
Supremo Tribunal Federal e compromete a credibilidade da União Federal perante
o mercado financeiro nacional e internacional.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade tem por escopo garantir
a efetividade das decisões judiciais, a independência do Judiciário e a
inafastabilidade da jurisdição. Nesse sentido, as entidades reiteram seu
compromisso com o Estado Democrático de Direito e destacam que é imprescindível
que haja estrita observância à ordem jurídica vigente de modo a evitar que os
juros destas dívidas postergadas e as novas condenações judiciais afetas a
matérias já superadas deem ensejo a um endividamento ainda maior para as
Fazendas Públicas, notadamente a Fazenda Federal.
Brasília, 13 de
janeiro de 2022.
Felipe Santa Cruz Oliveira Scaletsky - OAB
Renata Gil de Alcantara Videira - AMB
João Domingos Gomes dos Santos - CSPB
Aires Ribeiro - CPSM
Antônio Carlos Fernandes Lima Júnior - CONACATE
André Luiz Gutierrez - COBRAPOL