Britto envia ofício a senador alertando para "graves distorções" da PEC 12
Brasília, 01/04/2009 - O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, enviou ofício ao presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ), senador Demóstenes Torres (DEM-GO), chamando a atenção para as "graves e insanáveis distorções e violência contra direitos humanos dos credores, a Constituição e o Poder Judiciário", contidos na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 12, que cria um novo regime de pagamento dos precatórios e está em apreciação naquela Comissão. Britto pede "um debate sereno e objetivo do tema, e que leve na devida consideração o Poder Judiciário e os direitos inquestionáveis dos credores".
Após alertar para as distorções e inconstitucionalidades existentes na proposta, que a OAB classifica de PEC do Calote, Cezar Britto afirmou no texto enviado ao senador: "Jogar nas contas dos milhões de velhinhos, aposentados, desapropriados, essa aberração, quando já esperam seu crédito há décadas, é desumano, inconstitucional, antiético e acabará desacreditando a imagem do país no exterior, além de constituir grave desequilíbrio institucional no Brasil".
A seguir, a íntegra do ofício encaminhado por Cezar Britto ao senador Demóstenes Torres:
Ofício nº 333/2009-GPR.Ref. Protocolo nº 2009.18.00440-01 Brasília-DF, 31 de março de 2009.
Exmº Sr.
Senador Demóstenes Torres
Presidente Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
Senado Federal
Brasília/DF
Eminente Senador,
Chega a votação na CCJ do Senado Federal a PEC 12 (agora sob a relatoria de S.Exª. a Senadora Kátia Abreu DEM-TO, cujo relatório hoje ainda não é público).
Seus fundamentos sob discussão, na visão do Conselho Federal da OAB, encontram-se eivados de graves e insanáveis distorções e violências contra os direitos humanos dos credores, a Constituição e o Poder Judiciário.
Senão, vejamos as mais evidentes:
Inconstitucionalidades. A rigor (Art. 60, Parágrafo 4.o, IV, CF) esta propositura sequer poderia ser objeto de tramitação, pois afronta direitos e garantias fundamentais, cláusulas pétreas (Art. 5.o, XXII, XXXVI), como direitos adquiridos, coisa julgada, direito de propriedade (função social).
A proposta prevê inacreditáveis limites ao cumprimento de decisões judiciais passadas e futuras, sem qualquer limite temporal. Sejam quais forem os percentuais a final decididos, o Brasil será o único país do mundo em que o Governador ou Prefeito terá que cumprir a lei ou contratos apenas até x% das receitas líquidas, ano a ano. Acima deste limite arbitrário, o Prefeito, p. ex., poderá atrasar ou deixar de pagar salários de funcionários, aposentados, pensionistas, fornecedores, ou mesmo desapropriar imóveis, rádio, jornal, fazenda de seus adversários políticos, pois nada teria que pagar, já que estaria blindado pelo limite "constitucional" de pagamentos judiciais. Um Governador poderá igualmente desapropriar as ações de empresas concessionárias de serviços públicos, jornais, TVs, ou mesmo a VALE ou bancos privados, mais uma vez sem qualquer preocupação com pagamentos acima do confortável limite "constitucional". Uma indulgência plena para o calote como ferramenta permanente de gestão pública. Para uma pessoa física, seria a mesma coisa que aprovar uma lei colocando um limite digamos de 2% de seu salário (R$ 2.000,00 x 2% = R$ 40,00). Esta pessoa física poderia, assim, interromper todos os seus pagamentos de aluguel, condomínio, seguro-saúde, cartão de crédito, escola, etc, porque nunca teria que pagar mais que R$ 40,00 por mês de execuções judiciais... Simulações macroeconomicas indicam que o ES levaria mais de 100 anos para pagar o estoque existente, a Prefeitura de São Paulo, 25 anos e o Estado do Rio de Janeiro 21 anos, isto após mais de 10 anos em média já passados na via crucis judicial, e se não entrasse mais nenhum precatório... A melhor maneira de acabar com precatórios é cumprir a lei e os contratos.
Prefeituras e Estados bradam hipocritamente contra um certo mercado cinzento, onde atravessadores e aproveitadores compram os créditos das velhinhas e aposentados por valor irrisório. Muito bem, é exatamente isto que querem fazer, ao não permitir nenhuma utilização do crédito judicial (pagamento de impostos, compra de imóveis ociosos, contribuição para aposentadoria, etc) e criarem um "leilão", de um só comprador, o próprio devedor! Pergunta-se porque os financiamentos dos bancos nacionais e internacionais e os créditos de empreiteiros são (corretamente) pagos em dia e com os juros maiores do mundo, enquanto que os créditos judiciais têm que esperar décadas e ainda ser objeto de deságios enormes a bel prazer do devedor... As velhinhas e pensionistas, desapropriados, aparentemente nada significam em comparação com os grandes bancos e empreiteiras e querem transformar o Poder Judiciário em mero acessório do Poder Executivo.
A OAB já apresentou diversas propostas práticas, razoáveis e objetivas de solução (vide trabalho anexo), incluindo a conciliação no Judiciário (ao invés do leilão viciado e arbitrário), a emissão de títulos de dívida de Estados e Municípios (com garantia da União, que reestruturaria as dívidas em longo prazo, sempre com o poder de reter verbas em garantia de seus créditos), a compensação de dívida ativa com precatórios, precatórios como pagamento de casa própria, precatórios como pagamento de contribuições de aposentadoria, e por aí vai...
Infelizmente parece que os agentes políticos que examinam a questão estão preocupados única e exclusivamente com a pressão principalmente dos Srs. Prefeitos, que podem até realmente estar afogados numa crise financeira.
Agora, o grande culpado desta crise, e quem poderia realmente romper as amarras atuais, é a União, que há décadas atrás operou planos econômicos heterodoxos, cuja conta acaba desaguando no colo dos Estados e Municípios.
A sempre festejada responsabilidade fiscal (e os alegados superávits nas contas públicas) nunca existiu no mundo real, pois os estoques de precatórios já existentes (e aqueles em maturação no Judiciário e que deveriam ser objeto de provisões e reservas) nunca foram computados e geridos, com a complacência de Tribunais de Contas.
Sim, Estados e Municípios merecem alívio fiscal, com redução de juros e reestruturação de suas dívidas judiciais para prazo longo, mas isto somente terá efeito se a União aliviar o torniquete atual.
Jogar nas contas dos milhões de velhinhas, aposentados, desapropriados, esta aberração, quando já esperam seu crédito há décadas, é desumano, inconstitucional, antiético e acabará desacreditando a imagem do país no exterior, além de constituir grave desequilíbrio institucional no Brasil.
Será mesmo irresponsável aprovar mais uma moratória nos moldes (ou ainda piores) daquelas de 1.988 e 2.000, que não funcionaram e foram solenemente desrespeitadas por Estados e Municípios em geral.
A OAB aguarda um debate sereno e objetivo do tema, e que leve na devida consideração o Poder Judiciário e os direitos inquestionáveis de credores.
As alegações mais comuns e irracionais dos entes devedores não se sustentam:
"não fui eu quem fiz esta dívida";
"estes juros são absurdos"- Nota - calculem o mesmo valor, se fosse dívida fiscal, com multas e juros...
"este imóvel hoje vale menos do que temos que pagar "- Nota - e se valer mais hoje? Atualizem com base nos créditos fiscais, multas e juros, por décadas...
"ninguém paga, porque eu iria pagar?"
Enfim, o Brasil mudou, a busca pela modernização, transparência e governança não pode mais esperar, existem boas soluções, que se espera sejam levadas em consideração, e jamais a renovação continuada de calote, puro e simples.
Na certeza do importante apoio de V.Exª, colho o ensejo para, com meus cumprimentos, reiterar-lhe as expressões da mais elevada estima e distinta consideração.
Atenciosamente,
Cezar Britto, Presidente Nacional da OAB