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Repercussão geral no STJ

30 de setembro de 2014 - PAULO ROBERTO GOUVÊA MEDINA

Cogita-se de estabelecer novo pressuposto de admissibilidade para os recursos especiais.  À semelhança do que já ocorre com relação aos recursos extraordinários para o Supremo Tribunal Federal, pretende-se condicionar o acesso ao Superior Tribunal de Justiça, por via daquele recurso, à repercussão geral da questão jurídica suscitada.  Proposta de emenda constitucional com esse objetivo foi aprovada pelo STJ e encaminhada ao Senhor Ministro da Justiça.

Cuida-se de tornar, assim, mais rígido -- ou espesso -- o filtro a que são submetidos os recursos por meio dos quais se intenta preservar a lei federal de violações que lhe comprometam a vigência ou evitar que o dissenso jurisprudencial lhe acarrete divergências insuperáveis na interpretação.  Esse filtro, como é sabido, já se mostra, há algum tempo, de difícil permeabilidade.  A exigência de prequestionamento da questão federal, por meio de embargos de declaração, o incidente de julgamento dos recursos repetitivos, a inviabilidade do recurso que contrarie súmulas dos tribunais superiores ou a jurisprudência neles dominante, são fatores que condicionam a admissibilidade do recurso especial pelo STJ, estreitando o caminho das partes a esse tribunal superior e limitando a determinadas questões o cumprimento, por parte dessa Corte, de sua missão principal, que é a de atuar como tribunal da federação.

A inovação que, agora, se propõe traz conseqüências ainda mais drásticas.  A rigor, a exigência de repercussão geral, como questão preliminar da admissibilidade dos recursos especiais, conspira contra a própria história do Superior Tribunal de Justiça.  Esse tribunal surgiu, com a Constituição de 1988, para dividir com o Supremo Tribunal Federal o julgamento dos recursos de natureza extraordinária.  Sua criação atendia a dois propósitos: reservar ao Supremo a função precípua de Corte Constitucional e possibilitar o julgamento dos recursos fundados em ofensa à lei federal sem os entraves que, antes, limitavam-lhe o cabimento.

Decorriam os referidos entraves do incidente da argüição de relevância da questão federal, concebido, à maneira do certiorari do direito americano, como forma de só permitir que chegassem à Corte Suprema recursos que envolvessem questões de relevante interesse público, do ponto de vista moral, econômico, político e social.  Dessa forma, os recursos extraordinários fundados em negativa de vigência da lei federal, somente seriam admissíveis se, previamente, considerada de alta relevância a questão neles versada.  Excluídos desse procedimento preliminar ficavam, apenas, as questões constitucionais, cuja natureza peculiar fazia presumir a relevância da questão discutida.

Noutras palavras, com a criação do STJ e a configuração do STF como Corte Constitucional, perdeu sentido – e, por isso, desapareceu -- a argüição de relevância.  De repente, porém, ressurge, com a Emenda nº 45, de 2004, o procedimento prévio da argüição de relevância, agora com o nome de repercussão geral.  Assim, também os recursos fundados em questão constitucional passaram a submeter-se ao crivo dessa preliminar, de forma a somente serem admitidos quando o interesse no julgamento da questão transcendesse ao interesse das partes para assumir o caráter de questão de repercussão geral.

E, já agora, ao argumento de que o Superior Tribunal de Justiça não pode dar conta da pletora de recursos que chegam àquela Corte, deseja-se estender esse mecanismo de filtragem aos recursos especiais.  Descartou-se a alternativa do aumento do número de Ministros do Tribunal, preferindo-se manter sua composição atual, de 33 juízes.  Optou-se pelo instrumento da repercussão geral, como forma de reduzir o volume de processos a ser distribuídos a cada um dos Ministros.

A solução não corresponde, certamente, ao anseio dos jurisdicionados.  E não condiz com a história da fundação do próprio Tribunal.  Dito de outra forma, sem hipérbole e sem rebuço, o mecanismo que se pretende pôr em prática, renega o papel atribuído ao STJ pela Constituição de 1988.

As circunstâncias parecem autorizar a conclusão de que está em voga, nos dias de hoje, uma filosofia negativista: que se reduza ao mínimo a possibilidade de recorrer.  De passo em passo, vai-se chegando a uma situação temerária, qual seja a de pôr em xeque o princípio do amplo acesso à Justiça ou o direito fundamental à prestação jurisdicional.  É preciso encontrar soluções que viabilizem o funcionamento normal dos tribunais, em vez de adotar procedimentos pragmáticos e ilusórios, que não contribuem para tornar o Judiciário mais eficiente.

 

 

Autor(es):

Curriculum:

Professor Emérito da Univ. Fed. de Juiz de Fora, Conselheiro Federal da OAB, Membro-Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros.


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