Padrão de comportamento moralmente adequado é dever do advogado mesmo além do estrito exercício das atribuições da profissão
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), em reuniões realizadas no dia 12 de março de 2013, por alguns de seus órgãos fracionários, adotou as seguintes decisões:
“Recurso no 49.0000.2013.00175-7/PCA. Relator: Conselheiro Federal Carlos Alberto de Jesus Marques (MS). Recurso contra indeferimento de inscrição nos quadros de advogados da OAB por ter sido reconhecida a inidoneidade moral do requerente, nos termos do artigo 8º, VI, do Estatuto. Condenação criminal não transitada em julgado. Independência dos processos administrativo e judicial, pelo que desnecessário o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, se o reconhecimento da inidoneidade não se deu por reconhecimento de crime infamante, mas sim pela inidoneidade do recorrente pelos atos praticados”.
“Recurso no 49.0000.2012.012293-6/SCA - TTU. Conselheiro Federal Aldemario Araujo Castro (DF). 1. Processo Administrativo de natureza ética e disciplinar. Arts. 34, inciso XXVII, e 38, inciso II, do Estatuto da Advocacia e da OAB. Conduta do profissional que o tornou moralmente inidôneo para o exercício da advocacia. (...) 4. Exclusão dos quadros da OAB por tornar-se, o profissional, moralmente inidôneo para o exercício da advocacia. Violência sexual contra crianças e adolescentes. Registro de imagens das ocorrências, inclusive com a participação direta do recorrente. Natureza extremamente repulsiva e especialmente grave das condutas consideradas. (...) 5. Utilização do escritório profissional do recorrente para a realização das práticas repulsivas. A ordem jurídica impõe um padrão de comportamento moralmente adequado ao advogado numa série de situações de sua vida privada, mesmo que não estrita, direta ou imediatamente abrangidas no exercício imediato da profissão. Ausência de refutação ou negativa quanto aos fatos imputados. 7. Pena de exclusão dos quadros da OAB mantida. Decisão unânime”.
As decisões do CFOAB enfrentaram o instigante tema da qualificação jurídica negativa (não-ingresso e exclusão de seus quadros) de atos (especialmente graves) praticados pelo postulante à advogado, ou pelo já advogado, fora das estritas atribuições da profissão.
Nos termos do art. 1o da Lei no 8.906, de 1994 (Estatuto da Advocacia e da OAB), as atividades privativas de advocacia envolvem: a) postulação judicial; b) consultoria jurídica; c) assessoria jurídica e d) direção jurídica. Assim, é possível sustentar um raciocínio extremamente formal e limitado no sentido de que somente atos ilícitos inseridos claramente nessas quatro searas ensejariam alguma consequência ético-disciplinar para o profissional da advocacia.
Ocorre que as deliberações do CFOAB se enquadram numa clara tendência, perceptível em vários momentos e instâncias, voltada para reconhecer e exigir daquele que exerce uma função pública em sentido amplo (como o servidor público e o advogado – art. 2o, parágrafo primeiro, do Estatuto) um padrão de comportamento moralmente adequado, mesmo além do estrito exercício das funções do cargo ou da profissão.
Nos termos do art. 8o, inciso VI, do Estatuto, a idoneidade moral é requisito para inscrição nos quadros da OAB. Por força do disposto no art. 34, inciso XXVII, do mesmo Estatuto, a idoneidade moral deve ser mantida ao longo do exercício da profissão.
A extrema relevância dada pelo legislador do Estatuto ao requisito da idoneidade moral para o exercício profissional efetiva uma clara e inequívoca diretriz de natureza constitucional. Com efeito, o constituinte consagrou a moralidade como: a) fundamento de validade dos atos administrativos (arts. 5o, inciso LXXIII, e 37, caput); b) fundamento de validade para o exercício de mandatos eletivos (art. 14, parágrafo nono); c) núcleo para a figura da improbidade administrativa (art. 37, parágrafo quarto) e d) requisito para o exercício da magistratura (art. 119, inciso II, entre outros).
A observância do princípio constitucional da moralidade e da conduta compatível com a probidade são exigências, verdadeiros deveres, do advogado, mesmo nos atos da vida privada com dimensão ou desdobramento públicos. Em suma, o advogado (ou o futuro advogado) não pode atacar frontalmente, conscientemente, de forma deliberada, no plano de sua conduta privada, aqueles valores que, no exercício da profissão, jurou observar e está obrigado a defender.
Não custa transcrever parte do art. 2o do Código de Ética e Disciplina do advogado. Diz o dispositivo:
“O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.
Parágrafo único. São deveres do advogado:
I – preservar, em sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade;
II – atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé;
III – velar por sua reputação pessoal e profissional;
IV – empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional;
V – contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis; (...)
IX – pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos individuais, coletivos e difusos, no âmbito da comunidade”.
O colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu exatamente nesse sentido para servidores públicos. Eis alguns importantes precedentes:
“2. Embora o pretenso ato ilícito não tenha sido praticado no efetivo exercício das atribuições do cargo, mostra-se perfeitamente legal a instauração do procedimento administrativo disciplinar, mormente porque a acusação impinge ao Impetante conduta que contraria frontalmente princípios basilares da Administração Pública, tais como a moralidade e a impessoalidade, valores que tem, no cargo de advogado da União, o dever institucional de defender” (MS 11035/DF. Relatora Ministra LAURITA VAZ. Órgão Julgador: Terceira Seção. Data do Julgamento: 14/06/2006)”.
“3. A prática de ato libidinoso em local público não se compatibiliza com a honra e o decoro militar, ainda que o servidor não se encontre em serviço, razão por que não existe direito líquido e certo a ser amparado, em decorrência do licenciamento do impetrante, considerando, ainda, que o processo administrativo observou os princípios da ampla defesa e do contraditório” (RMS 17354. Quinta Turma. Decisão em 15/12/2005. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima)”.
Assim, é seguro afirmar que a ordem jurídica impõe um padrão de comportamento moralmente adequado ao advogado nas ações e manifestações pessoais ou privadas com evidentes desdobramentos públicos, mesmo que não estritamente abrangidas nas atribuições de sua profissão. Pode-se afirmar que violam frontalmente às exigências de idoneidade moral os atentados significativos, facilmente reconhecidos, ante padrões mínimos e amplamente aceitos (art. 8o, parágrafo terceiro, do Estatuto), aos valores fundamentais da profissão inscritos expressamente no Código de Ética do advogado.
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Contribuição doutrinária
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