“Supremo está em boas mãos”, diz Lamachia em posse de Cármen Lúcia
Brasília – O
presidente nacional da OAB, Claudio Lamachia, afirmou que a ministra Cármen
Lúcia tem “alma de advogada” apesar de tanto tempo na magistratura. Cármen
tomou posse na tarde desta segunda-feira (12) como presidente do Supremo
Tribunal Federal. É a segunda vez que uma mulher preside a Suprema Corte
brasileira, Ellen Gracie foi a primeira (2006-2008). Lamachia afirmou em seu
discurso que com ela o STF estará “em boas mãos”. Também estiveram na posse da
nova presidente do STF, o Secretário-Geral da OAB, Felipe Sarmento Cordeiro, e
o Secretário-Geral Adjunto, Ibaneis Rocha Barros Junior, além de dezenas de
presidentes seccionais.
“Não tenho dúvida de
que o Supremo está em boas mãos. E acentuo que não é irrelevante o fato de a
ministra ter sido forjada na militância da advocacia, que, segundo Ruy Barbosa,
impõe ao advogado a missão de colocar o direito ‘em amparo dos indefesos, dos
proscritos, das vítimas da opressão’. Esse sentido de missão social do direito
a ministra Cármen Lúcia jamais perdeu. A magistratura não lhe ofuscou a alma de
advogada. Ao contrário, incorporou-a no que tem de fundamental: sua essência
humanista. Desejo-lhe, em nome da advocacia brasileira, êxito em sua nova
missão”, disse Lamachia.
O presidente nacional
da OAB também fez referência ao passado na advocacia do agora vice-presidente
do STF, ministro Dias Toffoli. “Ao vice-presidente Dias Toffoli, também egresso
da advocacia, com passagens na Advocacia Geral da União, na presidência do
Tribunal Superior Eleitoral e há sete anos nesta Corte, estendo os mesmos
votos, reconhecendo-lhe a dedicação com que se desempenhou em cada uma dessas
funções”, afirmou.
Durante sua fala,
Lamachia voltou a defender os devidos trâmites processuais e fez uma crítica
específica à proposta que prevê o uso de provas ilegalmente coletadas, desde
que feitas com boa fé. Essa proposta está contida no pacote de 10 medidas
contra a corrupção proposta pelo Ministério Público.
“Não se combate o
crime cometendo outro crime. Por isso, rejeitamos liminarmente a ideia de
admitir produção de provas por meio ilegal, em nome da boa-fé de quem a colhe.
Como demonstrar a boa-fé de um agente, se se trata de algo subjetivo. O Direito
resulta de uma ciência sofisticada, que a humanidade levou séculos para moldar.
Transgredi-lo é impor um retrocesso civilizatório, que, aí sim, agride a voz
das ruas, frequentemente vulnerável à manipulação das facções”, declarou
Lamachia.
Segundo ele, “não há
justiça sumária”. “O clamor das ruas não pode ser ignorado, mas não pode
sobrepor-se ao essencial: à lei, que é a expressão maior da civilização.
Precisamos combater a impunidade e a corrupção, mas não podemos, por exemplo,
admitir a prática de um ilícito em nome da correção de outro: não há solução
fora da lei”, disse o presidente nacional da OAB.
Confira abaixo a
íntegra do discurso proferido por Lamachia na posse da ministra Cármen Lúcia
como presidente do STF, ou clique aqui e baixe a íntegra em PDF:
“Senhoras e senhores,
É dentro da
expectativa de diálogo e mútua colaboração que a Ordem dos Advogados do Brasil,
vocalizando não apenas a advocacia, mas também a sociedade civil brasileira,
participa desta solenidade de posse dos novos presidente e vice-presidente
deste Supremo Tribunal Federal – respectivamente, ministra Cármen Lúcia Antunes
Rocha e ministro José Antonio Dias Toffoli.
Quero, inicialmente,
me dirigir à advogada Cármen Lúcia, cuja cultura e vasta experiência nos
diversos campos do Direito em que atuou são garantia de domínio técnico e
profundo senso de responsabilidade diante desta alta função de que ora se
investe.
Pontificou no
magistério superior, na militância advocatícia, nas lides da OAB e no exercício
de cargos públicos de relevância.
Entre outras funções,
foi procuradora-geral do Estado de Minas Gerais (seu estado natal), presidente
do Tribunal Superior Eleitoral e integra esta Corte há uma década. Em cada um
desses cargos, marcou sua presença com talento, dedicação e integridade.
Não tenho dúvida de
que o Supremo está em boas mãos. E acentuo que não é irrelevante o fato de a
ministra ter sido forjada na militância da advocacia, que, segundo Ruy Barbosa,
impõe ao advogado a missão de colocar o direito “em amparo dos indefesos, dos
proscritos, das vítimas da opressão”.
Esse sentido de
missão social do direito a ministra Cármen Lúcia jamais perdeu. A magistratura
não lhe ofuscou a alma de advogada. Ao contrário, incorporou-a no que tem de
fundamental: sua essência humanista. Desejo-lhe, em nome da advocacia
brasileira, êxito em sua nova missão.
Ao vice-presidente
Dias Toffoli, também egresso da advocacia, com passagens na Advocacia Geral da
União, na presidência do Tribunal Superior Eleitoral e há sete anos nesta
Corte, estendo os mesmos votos, reconhecendo-lhe a dedicação com que se
desempenhou em cada uma dessas funções.
Quero também saudar o
presidente que se despede do cargo, ministro Ricardo Lewandowski, que buscou
dar à sua gestão, nas suas próprias palavras, sentido inclusivo, democrático e
participativo, de que é exemplo mais expressivo a implantação das audiências de
custódia e o franco e respeitoso diálogo mantido com a OAB.
Senhoras e senhores,
Cabe-nos, advogados,
magistrados e membros do ministério público, protagonistas da cena judiciária,
o dever de estabelecer permanente sintonia em prol do bem comum, sobretudo em
momentos como este, de delicados e complexos desafios na vida institucional do
país.
São nesses momentos
que as reservas morais e de inteligência de uma nação precisam pôr em cena a
energia e experiência acumuladas, de modo a impedir que os ventos da mudança
degenerem em insensatez. A receita, nessas ocasiões, é coragem e bom senso.
Coragem para agir; bom senso para fazê-lo com isenção e discernimento. Numa
síntese, é preciso que prevaleça, acima das divergências e conflitos das
facções - acima de quaisquer outros interesses -, a Força da Serenidade.
É nela que devemos
buscar inspiração. Só ela nos dará os meios necessários para pacificar o país,
reunificá-lo, neste momento em que os desacertos e desconcertos da política
ameaçam a paz pública e dividem os brasileiros.
A indisposição de
ânimos, que torna ainda mais problemática a superação dos desafios
econômico-sociais, afeta, sobretudo, as camadas mais informadas da sociedade,
formadoras de opinião. Ou seja: a sociedade civil organizada.
É preciso
pacificá-la, pois ela estabelece a temperatura e intensidade dos debates.
Divergências sempre haverá, mas só serão saudáveis e fecundas se exercidas no
limite da civilidade, do diálogo e do espírito democrático. Precisamos de mais
encontro e menos confronto, enfim precisamos de mais tolerância e menos arrogância.
Quando extrapolam – e esse é um temor presente -, a democracia corre riscos.
Não podemos permiti-lo.
O compromisso das
instituições, mais ainda em tempos como este, é com a ordem e a paz. E não há
ordem e paz onde não há justiça. Ela é o ponto de partida e de chegada. Eis,
portanto, nossa missão: fazer com que a justiça funcione – e cumpra sua missão
social. A sociedade clama por justiça – e precisa ser saciada.
Mas o único meio de
fazê-lo é observando a lei, seus ritos, sem procrastinações, mas também sem
açodamentos. Basta cumprir os postulados constitucionais da presunção de
inocência, do devido processo legal, observando a defesa e o contraditório.
Nesse sentido,
sobressai a necessidade, frequentemente negligenciada, de respeito às
prerrogativas da advocacia, prerrogativas que não são propriamente do advogado,
mas da sociedade, naquele que é o mais elementar dos direitos humanos: o
direito de defesa.
Não há justiça
sumária. O clamor das ruas não pode ser ignorado, mas não pode sobrepor-se ao essencial:
à lei, que é a expressão maior da civilização. Precisamos combater a impunidade
e a corrupção, mas não podemos, por exemplo, admitir a prática de um ilícito em
nome da correção de outro: não há solução fora da lei.
Não se combate o
crime cometendo outro crime. Por isso, rejeitamos liminarmente a ideia de
admitir produção de provas por meio ilegal, em nome da boa fé de quem a colhe.
Como demonstrar a boa fé de um agente, se se trata de algo subjetivo. O Direito
resulta de uma ciência sofisticada, que a humanidade levou séculos para moldar.
Transgredi-lo é impor um retrocesso civilizatório, que, aí sim, agride a voz
das ruas, frequentemente vulnerável à manipulação das facções.
Os regimes de exceção
se servem, com frequência, de atalhos processuais para fazer justiça com as
próprias mãos. Excitam o clamor popular para, na sequência, instalar o regime
da injustiça plena, que, sem exceção, caracteriza os regimes autoritários.
Senhoras e senhores,
A Constituição
Federal estabelece, em seu artigo 133, que o advogado é indispensável à
administração da justiça. Portanto, essa missão pacificadora também nos cabe,
mas só terá êxito se exercida em efetiva sintonia pelo conjunto dos operadores
do Direito: Advocacia, Judiciário e Ministério Público.
E não apenas. É
preciso diálogo permanente com os demais Poderes, que a Constituição, em seu
artigo 2º, diz que são independentes e harmônicos. Em regra, porém, investe-se
mais na independência que na harmonia, resultando daí crises frequentes, que
abalam o Estado democrático de Direito.
Precisamos avançar na
reforma política e tributária, mas não podemos retroceder em direitos sociais.
O saneamento das contas públicas deve se dar respeitando o valor social do
trabalho e a dignidade da pessoa humana.
Se é lícito, e até
louvável, que cada cidadão tenha suas preferências e ideologias políticas, não
o é quando se está investido de responsabilidade institucional. A OAB, por essa
razão, não tem partido ou ideologia. Ou por outra, seu partido é o Brasil; sua
ideologia, a Constituição. Sua missão é zelar pelo ambiente democrático, de
modo a garantir a pluralidade sadia das ideias.
A missão de vocalizar
a sociedade civil e fiscalizar as instituições do Estado – imperativo de nosso
Estatuto -, foi exercida em outros momentos delicados de nossa história
republicana, ao longo dos nossos quase 86 anos de existência da OAB.
Dela resultaram,
entre outras conquistas, a revogação do AI-5, o restabelecimento do habeas
corpus - hoje, inexplicavelmente questionado em seu alcance - , o fim da
censura e a anistia, passos iniciais – e essenciais – para que o país
reconquistasse em 1985, em transição pacífica, a democracia.
Foram muitas as
campanhas cívicas memoráveis em que a OAB se envolveu – e que mudariam a face
do país: diretas já, Constituinte e a sempre recorrente luta contra a
impunidade e a corrupção e pela ética na política são marcantes.
Nesse quesito
específico, registro recente e importante parceria com esta Suprema Corte, que
acolheu proposta da OAB, proibindo doações de empresas às campanhas eleitorais,
matriz de tantas ilicitudes, que neste momento causam assombro e repugnância à
sociedade. Essa providência mostra-se eficaz. Basta observar a presente
campanha eleitoral, despojada de aparatos caros e extravagantes, que, em vez de
informar o eleitor, buscavam iludi-lo e, de quebra, poluíam visualmente as
cidades.
Não tenho dúvida do
papel central do Judiciário nesta quadra delicada da vida nacional, que reclama
equilíbrio e temperança.
Dos três Poderes, é o
Judiciário que possui as atribuições de mediação, ao tempo em que é guardião e
intérprete da Constituição, o que o situa numa posição incontrastável no
cenário institucional do país. Não bastasse, lida com a sobrecarga que lhe
impõe a condição de foro privilegiado de alguns agentes públicos, numa extensão
e abrangência excessivas, que precisam ser revistas e reduzidas imediatamente.
Em plena era da
informação e das redes sociais, a participação da sociedade – ainda que
ruidosa, turbulenta, algumas vezes manipulada ou refletindo desinformação –
veio para ficar. E é saudável que assim seja. A democracia só se aperfeiçoa por
seu exercício continuado. E a cidadania no Brasil tem evoluído.
Não há mais condições
de imaginar instituições do Estado impermeáveis à vigilância, o que também é
bom. Instituições sem transparência acabam se desviando de seu papel. A crise é
pedagógica e impõe reafirmação de princípios e renovação e aprimoramento de
métodos.
Concluo reiterando a confiança
da advocacia na capacidade e devoção dos que assumem o comando desta Corte
Suprema juntamente com todos os ministros que a compõem.
Que Deus os ilumine
no cumprimento desta missão.
Muito obrigado.”