MP investiga Kassab por não pagar precatório e usar verba em outras áreas

segunda-feira, 27 de abril de 2009 às 11:14


São Paulo, 27/04/2009 - O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), é alvo de uma investigação do Ministério Público Estadual (MPE) por inadimplência no pagamento de precatórios alimentares (dívidas da administração com pensões, salários, aposentadorias, entre outras). Os inquéritos civis abertos pela Promotoria da Cidadania da capital apuram descumprimento das ordens judiciais de pagamento entre 2006 e 2008. Os recorrentes calotes e remanejamentos ilegais do Executivo fizeram o débito do Município com os precatórios em geral dobrar em cinco anos - de R$ 5,3 bilhões, em 2004, para os atuais R$ 11,3 bilhões. Como os ex-prefeitos Celso Pitta (PTN) e Marta Suplicy (PT), Kassab corre agora o risco de ser processado por improbidade administrativa.


A Câmara Municipal também está na mira do MPE. O promotor César Ricardo Martins, responsável por dois dos inquéritos, já reuniu provas de que dois vereadores - o líder do governo, José Police Neto (PSDB), e o ex-parlamentar Attila Russomanno (PP) - apontaram a verba destinada ao pagamento de precatórios como fonte de custeio para emendas (projetos prometidos em redutos eleitorais) em 2008. "Os recursos foram desvirtuados."


Ao MPE, Police Neto admitiu a prática, alegando que o "desempenho do Executivo costuma ser baixo" nessa área. Para evitar que o Executivo faça o remanejamento como bem entender, argumentou o vereador, parlamentares passaram a atrelar projetos aos recursos reservados aos precatórios. Só em 2008, a Comissão de Finanças da Câmara aprovou corte de R$ 1,2 bilhão na verba de R$ 2,1 bilhões prevista para esse pagamento. Em um ano eleitoral, o dinheiro serviu para suplementar a dotação de mais de 300 projetos e programas sociais do governo.


O vereador Milton Leite (DEM), relator do orçamento à época, endossou as declarações de Police Neto. "Estou na Câmara há 12 anos e nunca o governo passou da margem dos R$ 400 milhões anuais em (pagamento) precatórios", alegou. "Se em 2007 o governo gastou pouco mais de R$ 400 milhões, porque eu deixaria mais de R$ 2 bilhões em precatórios? O governo não pode perder o poder de investimentos em áreas como Saúde e Educação."


O uso da verba de precatórios alimentares para outras finalidades é ilegal, pois fere o artigo 100 da Constituição. Todos os anos, o Tribunal de Justiça (TJ-SP) encaminha ao Executivo uma lista com os nomes dos beneficiários das ações transitadas em julgado (sem possibilidade de recursos) e o montante a ser pago. A lei manda que os débitos sejam quitados até o fim do ano seguinte, mas não é o que tem ocorrido. Em 2006, o valor total indicado pelo TJ-SP foi de R$ 240 milhões. Entretanto, apenas R$ 122 milhões foram pagos. Quase todo o restante, cerca de R$ 115 milhões, acabou sendo usado no pagamento do 13º salário de servidores.


Em 2007 e 2008, Kassab voltou a contingenciar parcela significativa de dinheiro dos precatórios alimentares. Mas, em vez de remanejar os recursos, preferiu mantê-los em caixa. "Tão grave quanto empregar a verba em publicidade é usá-la para fazer superávit", disse o promotor, referindo-se à condenação imposta em maio de 2008 à ex-prefeita Marta. "É ato de improbidade administrativa."


No Relatório Anual de Fiscalização de 2007, emitido pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), auditores apontaram um "surto" de sequestro judiciais nas contas da Prefeitura provocado pelo calote nos precatórios alimentares. Entre 2005 e 2008, na gestão Serra/Kassab, a Justiça determinou o sequestro de R$ 678 milhões.


Atual gestão diz ser a que mais acertou esses débitos


A gestão José Serra-Gilberto Kassab diz ser a maior pagadora de precatórios da história de São Paulo. Entre 2005 e 2008, Kassab executou R$ 558 milhões em dívidas de precatórios. Já os sequestros judiciais por inadimplência totalizaram R$ 678 milhões.


Em nota, a Secretaria de Finanças disse que os precatórios alimentares (quase 90% do total) são "prioridade absoluta". O texto pondera, no entanto, que os pagamentos são feitos na medida da disponibilidade de caixa, "buscando conciliar o direito legítimo e regular do credor à necessidade de investimentos em saúde, educação, transporte, pagamento de salários, merenda escolar, remédios e tudo o mais que o Município tem o dever de prestar".


O governo informa ainda que a maior parte da dívida do Município com precatórios tem origem em débitos não pagos desde a década de 90 e questionados na Justiça. A nota relata ainda propostas do governo para evitar o surgimento de novos precatórios, incluindo a aprovação do Projeto de Emenda Constitucional nº 12, do qual Kassab é um dos principais defensores. A PEC 12, em tramitação no Senado, legaliza a prorrogação do pagamento de precatórios.

Já o vereador José Police Neto confirmou ter ido ao MP duas vezes. Ele argumentou que a indicação para o uso de verba de precatórios na execução de emendas "é uma técnica legislativa lógica" diante do baixo uso dos recursos. O ex-vereador Attila Russomanno não foi encontrado.


Para entender


O que são precatórios alimentares? São dívidas dos governos decorrentes de disputas judiciais já concluídas (sem possibilidade de recurso) que envolvem salários, pensões, aposentadorias e indenizações por morte ou invalidez de
funcionários públicos ou dependentes. Recentemente, honorários advocatícios também passaram a ser reconhecidos como de natureza alimentar.


De Maluf a Marta, os problemas se agravaram


O pagamento de sentenças judiciais alimentares também colocou na mira da Justiça os prefeitos Paulo Maluf, Celso Pitta e Marta Suplicy. A dívida paulistana com os precatórios passou a ser um problema judicial para a Prefeitura na gestão de Maluf (1993-1996). O ex-prefeito chegou a lançar títulos no mercado para pagar os precatórios, mas acabou utilizando a verba em obras, em operação considerada irregular à época pela CPI dos Precatórios do Senado Federal. O problema se repetiu nas duas gestões seguintes.


Em fevereiro do ano passado, Pitta (1997-2000) sofreu duas condenações, uma cível e outra penal, por fraude e desvio de finalidade na emissão de títulos para pagar precatórios entre 1994 e 1996, quando era secretário de Finanças de Maluf (PP).


O calote nos precatórios prosseguiu nos quatro anos do PT. Por isso, o TJ-SP condenou Marta à suspensão dos direitos políticos por três anos e pagamento de multa. Ela recorreu e conseguiu suspender os efeitos da decisão. (A reportagem é de Bruno Tavares e Diego Zanchetta e foi publicada no Estado de S. Paulo)