Coluna: Zuenir Ventura

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008 às 08:36

Rio de Janeiro, 31/12/2008 - Anota "Universo em desencanto" foi publicada hoje na coluna do Zuenir Ventura no jornal O Globo:

"Pelo menos no quesito originalidade, 2009 já conquistou um prêmio. Nenhum outro ano foi tão mal falado antes de começar quanto ele está sendo. Decretou-se por antecipação que ele será péssimo. A moda é maldizê-lo a priori.


Ele é apresentado não como um ano, mas como ameaça, como fantasma. Se 2008 foi o ano da quebradeira monumental, o próximo vai ser o do desemprego em massa, da queda vertiginosa do consumo, das assustadoras rimas em ão - inflação, estagflação, recessão nos EUA, na Europa, no Japão, em países emergentes. Não apenas o fim do império do mercado, mas o fim do mundo.


Não são palpites nem apostas, é a certeza de que ele vai ser muito pior do que 2008, que parece dizer aos que estão reclamando dele: "vocês não perdem por esperar, não viram nada". Será que vai ser assim mesmo? De qualquer maneira, é preferível uma expectativa ruim não confirmada do que o contrário.


O mal das previsões pessimistas é que, mesmo sem sentir, os que gostam de fazêlas acabam por torcer para que elas se realizem. Afinal, quem não quer ter razão? Há um prazer masoquista em poder afirmar depois: "eu não disse?" Como se sabe, os economistas são ótimos profetas do passado. Se dependesse de suas projeções, não teria havido crise, falência de grandes bancos e nem Barack Obama teria sido eleito. Eles costumam adivinhar com grande precisão não o porvir, mas o que já veio.


Desta vez, nem isso. Uma amiga que vive em Nova York me dizia esta semana, ao passar pelo Rio, que o pior da crise financeira atual não é o desconhecimento do que vai acontecer: "é que não se sabe direito nem o que aconteceu".


Sob efeito pós-traumático, todo mundo ainda está meio perplexo, buscando causas e explicações, tentando inventar soluções e achando que daqui para a frente só sobrarão os escombros da tragédia. As coisas só não vão estar muito piores porque existe Barack Obama.


Nesse universo em desencanto, ele é a única esperança, a salvação, e não apenas para os EUA. Falta combinar com ele.


Pequena amostra de como o nosso magistério é tratado. Recebo de uma professora o anúncio de quatro concursos recentes: de técnico bancário para o Banco Central (salário de R$ 4.997). De agente administrativo da Polícia Federal (R$ 2.656 por mês). De assistente técnico da Procuradoria Geral do Estado (R$ 2.389). E de professor estadual (salário: R$ 607). Dos quatro, o que menos remunera é o que não abre mão da formação superior: Ela pergunta: "Quem vai se sentir atraído por uma carreira que exige nível superior e paga quatro vezes menos do que outra que só pede ensino médio?"


Merecido o puxão de orelha que o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto,aplicou na Justiça, ao afirmar que o caso Bateau Mouche "afunda a credibilidade do Poder Judiciário".


De fato, amanhã, a impunidade festeja 20 anos da morte criminosa de 55 pessoas.