Cezar Britto quer ataque à imagem de "terra de ninguém" da Amazônia

terça-feira, 25 de novembro de 2008 às 12:58

Brasília, 25/11/2008 - "Atacar o conceito de terra de ninguém. O conceito de que a Amazônia é terra de ninguém propicia o tráfico de pessoas, o trabalho escravo e a destruição pura e simples da floresta". A posição foi defendida hoje (25) pelo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, ao participar da cerimônia de abertura do seminário internacional "O desafio da regularização fundiária na Amazônia", promovido pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. No seminário, realizado no edifício do BNDES, em Brasília, Britto classificou como "fundamental" a fixação de um marco regulatório para pacificar a questão das terras na região. "Se reconhecermos que aquela terra deve ser regularizada e que isso é tarefa fim do Estado, poderemos partir, em seguida, para a responsabilização dos criminosos que fazem a destruição da Amazônia".


O presidente da OAB acrescentou que não tem dúvidas da polêmica que é o debate em torno da regularização fundiária na Amazônia, com os diálogos passando por problemas como a grilagem, o tráfico de pessoas humanas, a biopirataria e a destruição da biodiversidade amazônica. No entanto, Britto cobrou o empenho dos entes estatais e a participação maciça da sociedade no debate. "Por isso é importante a união de todos nós, para superarmos nossas divergências quanto ao tema e buscarmos convergência para fazer com que o discurso saia do plano das idéias e ganhe o plano da realidade", afirmou Cezar Britto, reivindicando a responsabilização dos que praticam crimes na região.


O seminário foi aberto pelo secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Roberto Mangabeira Unger, com a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, e o presidente do Senado Federal, Garibaldi Alves. Também acompanharam a abertura do seminário o vice-presidente nacional da OAB, Vladimir Rossi Lourenço, a secretária-geral da entidade, Cléa Carpi da Rocha, e o diretor-tesoureiro da OAB Nacional, Ophir Cavalcante Junior, além dos presidentes das Seccionais da entidade nos Estados que integram a área da Amazônia Legal.


A seguir a íntegra da manifestação feita pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, na abertura do seminário:


"A Amazônia é um patrimônio brasileiro. Essa sempre foi e é a ótica que mais se fala quando se trata daquela região. Uma outra ótica é a do ufanismo, a de que ‘eu tenho a maior reserva, a maior biodiversidade, o maior rio, o maior ecossistema''. Sempre falamos em soberania e do orgulho de possuir todo esse patrimônio de interesse da humanidade. Mas falar em soberania e falar com orgulho não tem resolvido o problema daquela região, não tem resolvido questões graves quanto a indígena, biopirataria, grilagem e os assassinatos. Não tem resolvido, também, a questão do desmatamento e da poluição. Não basta só falar, não basta dizer que aquela floresta é nossa e a vermos, paulatinamente, sendo destruída e, cada vez mais, cobiçada.


Se falarmos, como foi dito aqui e eu não vou entrar na polêmica dos números, que 96% das terras ali não estão regularizadas, isso poderia, se juntarmos soberania e o sentimento de orgulho, ser até um prazer. Seria prazeroso dizer que 96% das terras são públicas, não aproveitáveis pela cobiça do ser humano. Mas não é esse o sentimento que se tem. Esses 96% não são entendidos como um patrimônio coletivo e inapropriável. É entendido como terra de ninguém e, sendo assim, pode ser uma área cobiçada, destruída e usufruída por qualquer um, como está acontecendo.


Atacar o conceito de terra de ninguém é fundamental, assim como é, também, importante fixarmos um marco regulatório para a questão da escrituração. Se reconhecermos que aquela terra deve ser regularizada e que isso é tarefa fim do Estado, poderemos partir, em seguida, para a responsabilização dos criminosos que fazem a destruição da Amazônia.


O conceito de que lá não é terra de ninguém propicia o tráfico de pessoas, o trabalho escravo e a destruição pura e simples da floresta. Esse tema é fundamental, pois nos tira do discurso para irmos à prática na responsabilização daqueles que devem responder pela Amazônia: o Estado, porque é proprietário de quase a totalidade da área, e também aquele que, na relação privada, é responsável por um pedaço daquele patrimônio.


Eu não tenho dúvida - dirigindo-se ao ministro Mangabeira Unger - de que propor o tema da regularização das terras é de coragem. Vai se atacar o problema da grilagem, que é sério no Brasil, e o problema do tráfico de pessoa humana, que decorre da grilagem. Estamos aqui, com certeza, entrando em um assunto em que não há consenso e vamos tocar aqui em responsabilidades. Por isso é importante a união de todos nós, para superarmos nossas divergências quanto ao tema e buscarmos convergência para fazer com que o discurso saia do plano das idéias e ganhe o plano da realidade.


A OAB está aqui presente com todos os seus presidentes de Seccionais para dizer que quer participar. Nós não fechamos ainda termos, quantidades e dados sobre qual seria o melhor marco regulatório, mas vamos interagir e propor um consenso no sentido de que é necessário, sim, temos um novo marco regulatório. Se partirmos com esse pressuposto, o da necessidade, nós vamos chegar a um bom caminho e aí, não tenho dúvidas, as gerações futuras agradecerão o que essa está ousando fazer, com todos os desafios que se tem pela frente."